sábado, 21 de fevereiro de 2009

O POETA COME AMENDOIM

Noites pesadas de cheiros e calores amontoados...

Foi o sol que por todo o sítio do Brasil

Andou marcando de moreno os brasileiros.

Estou pensando nos tempos de antes de eu nascer...

A noite era pra descansar. As gargalhadas brancas dos mulatos...

Silêncio! O imperador medita os seus versinhos.

Os Caramurus conspiram à sombra das mangueiras ovais.

Só o murmurejo dos cre'm-deus-padre irmanava os homens de meu país...

Duma feita os canhamboras perceberam que não tinha mais escravos,

Por causa disso muita virgem-do-rosário se perdeu...

Porém o desastre verdadeiro foi embonecar esta República temporã.

A gente inda não sabia se governar...

Progredir, progredimos um tiquinho

Que o progresso também é uma fatalidade...

Será o que Nosso Senhor quiser!...

Estou com desejos de desastres...

Com desejo do Amazonas e dos ventos muriçocas

Se encostando na canjerana dos batentes...

Tenho desejos de violas e solidões sem sentido...

Tenho desejos de gemer e de morrer...

Brasil...

Mastigando na gostosura quente do amendoim...

Falado numa língua curumim

De palavras incertas num remelexo melado melancólico...

Saem lentas frescas trituradas pelos meus dentes bons...

Molham meus beiços que dão beijos alastrados

E depois semitoam sem malícia as rezas bem nascidas...

Brasil amado não porque sejam minha pátria,

Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der...

Brasil que eu amo porque é o ritmo no meu braço aventuroso,

O gosto dos meus descansos,

O balanço das minhas cantigas amores e danças.

Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,

Porque é o meu sentimento pachorrento,

Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.


Mário de Andrade

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